Por que votar?
Um velho amigo veio até mim e pediu que eu contribuísse na campanha do ‘primeiro título de eleitor’.

Olhei... Pensei... E respondi que “durante anos dedicamos e cedemos parte de nossas vidas para que as pessoas pudessem ter o direito de dizer sim ou não para os fatos da vida”. Ele, um pouco envergonhado, ansioso e provocado, vulcanizou a face como se estivesse prestes a entrar em erupção. E, antes que as lavas começassem a derramar, interrompi-o com uma adversativa... “Sim ou não, foram elementos por quais lutamos e sofremos para que hoje pudessem ser ditas. Porém, não consigo imaginar maior desaforo a nós, do que esse proposital esquecimento da participação democrática. Queria meu caro, poder dizer muitas coisas a esses que se recusam a ser livres e politizados. Sartre, aquele francês militante, dizia que estamos condenados a ser livres, eu, acrescento que estamos condenados a sermos ‘”políticos”’. Isso renderia uma verdadeira tese, entretanto vou deixar de matéria aos pseudos-analistas para que possam gastar um pouco de seu precioso tempo com isso. Enfim, voltando ao fio da meada, queria dizer que minha condenação à política, foi aprendida da pior forma possível. Lembro-me como se fosse hoje aqueles dias em cárcere”. “Digo cárcere, mas podia ser com facilidade, cárceres. Meu corpo, minha alma e meus sentimentos foram tão torturados que aos poucos fui abdicando de cada um deles. Infelizmente, não me recordo do motivo da prisão, lembro que apenas senti um latejar forte na cabeça e um doloroso incômodo na lombar. Quando dei por mim, estava nu, machucado, numa sala fria e escura. Aquela situação e aquele ambiente foram meus companheiros por muitos meses. Dia após dia meu corpo era torturado, minha alma dilacerada e meus sentimentos esvaídos. Eu entrava numa frequência de ruína semelhante a uma torneira defeituosa, a cada gota estonteante minha humanidade era suprimida. Quando, as vezes, recobria minha consciência, percebia o terrível estado de definhamento pelo qual estava passando. Até que depois de tanta agonia, eu me esqueci do amor, esqueci das pessoas que amava, esqueci que possuía sentimentos, me tornara apenas um receptáculo inútil. A inutilidade foi tão forte naquela situação que até os meus carcereiros não enxergavam mais humanidade em mim, e, por conta disso, me descartaram em qualquer esquina. Nem se deram o trabalho de findar com minha vida porque aquilo seria um desperdício de munição. Olha que curioso, nem da morte eu era digno...” “Pensei que a fuga consentida seria um passo para um novo recomeço, porém como se recomeça quando se esquece o que é o começo? Desse paradoxo, levei dias, meses e anos para me recuperar. Quando, finalmente, lembrei o que era o amor, as pessoas amadas já não estavam mais ao meu lado. Minha mãe, meus amigos e, principalmente, minha doce Luíza já não existiam mais daquela forma pela qual eu as amei. Me questionava dia e noite para onde fora aquele amor e sem sorte, nunca obtive uma resposta”. “Veja que divaguei, divaguei e não cheguei ao central da nossa questão. Por que votar? Por que influenciar os outros a votarem? Sinceramente, não sei, vivi tanto tempo no antro do autoritarismo que não sei mais reconhecer a liberdade condenatória de Sartre. Sei que felizmente, as pessoas não precisam passar pelo que eu passei para dizer sim ou não”. “Se o voto é útil ou inútil, não importa, mas ter a condição de optar por um ou por outro é a condição ‘sine qua non’ do ato político. Somos condenados a nos politizar, seja por bem ou por mal, mas lembro – muitos deram de tudo, alma e corpo, para que outros pudessem dizer sim ou não para vida, para os amores e principalmente para os rumos da nossa nação. Ignorar a atuação política é o mesmo que cuspir no chão fúnebre que está encharcado de lágrimas e sangue dos inocentes”. E assim foi... Foi tudo o que pude dizer àquele velho amigo, lembrá-lo dos tempos em que não se podia votar, em que não se podia criticar, em que não se podia... Manoel Garcia Aquele que um dia espera dizer à Luiza, o quanto a amava.
